“Da Morte à Eutanásia- Representações Sociais” este é o mais recente e inédito estudo efectuado sobre a população açoriana sobre uma questão tida como sensível e polémica.
Depois de analisados os dados estatísticos, as conclusões concluem que a mudança nos rituais associados à morte também mudou a mentalidade das pessoas. Humberta Augusto
A negação da morte, a sua descristianização conceptual, a aceitação da eutanásia – são algumas das ilações a que o autor do livro, o sociólogo Alberto Peixoto, chegou e que serão oficialmente apresentadas no próximo dia 21 de Julho no Arquivo e Biblioteca Pública de Ponta Delgada.
A obra das Edições Macaronésia está baseada num estudo sociológico realizado através de uma amostragem constituída por 208 pessoas (104 homens e 104 mulheres), cruzando informação com dados estatísticos do Serviço Regional de Estatística para traçar a realidade açoriana com o intuito de se apurar as transformações sobre o local de ocorrência da morte e demais rituais, nos últimos 30 anos, em comparação com a situação nacional e a verificada no mundo ocidental em geral.
Morte nos hospitaisA obra conclui-se que “assistimos a uma profunda alteração em termos de representação social da morte”, tendo-se acontecido “uma deslocalização do local de ocorrência da morte e com ela mudou toda uma relação entre mortos e vivos”.
Em Portugal, de 1970 a 2000, de 80% do total de óbitos ocorridos nos domicílios e 20% nos hospitais, passou-se para 40% nos domicílios e 60% nos hospitais, respectivamente.
A região autónoma dos Açores (e Ponta Delgada, em particular) destacou-se no panorama nacional como o local onde mais acentuada foi a deslocalização do local da morte. De 80% dos óbitos, ocorridos nas residências, no início da década de 70, passou-se para 32% em 2000, chegando aos 27% em Ponta Delgada.
A particularidade dos Açores não será alheia à crescente proximidade geográfica da população açoriana em relação aos hospitais e respectivos centros de saúde, fruto da sua multiplicação, conseguida através do processo autonómico, concretizado nos últimos 30 anos.
“Negação da morte”A edificação de capelas mortuárias e respectiva utilização como locais reservados aos velórios “representou uma negação da morte ao conseguir, por exemplo, que por vezes os vizinhos só tenham conhecimento do óbito semanas e até meses depois”.
Durante o estudo, refere o sociólogo, constatou-se um “esforço individual de negação da morte ao ponto de sentirem repulsa ao falar nela”.
Mais, conclui, o estudo, “é possível afirmar-se existir já entre a população em estudo uma certa descristianização conceptual da morte, sendo bem patentes as influências das correntes positivistas que encaram a morte como sendo simplesmente «o fim».
Para 47% da população inquirida, a morte “é uma evidência”, “o fim da vida”.Numa perspectiva romântica da morte, e bastante mais optimista, as opções de ser encarada como «o começo de uma vida nova» e «um momento da vida» obtêm o consenso de 16% cada. O «fim do sofrimento» e uma «forma de libertação» são opiniões assumidas por 8% e 7%, respectivamente.
Porém, a prática religiosa sugere potenciar uma certa conformação com a morte constatando-se que os não praticantes pensam bastante mais na morte do que os praticantes.
“Se a solidão e o isolamento se apresentam como factores potenciadores do pensamento na morte, não é menos verdade que as representações sociais em torno da concepção da morte, da eutanásia e do suicídio emergem de uma relatividade das representações individuais que se deixam nitidamente condicionar pelas variáveis sexo, idade, estado civil, meio de residência, habilitações literárias, vivências familiares e práticas religiosas”.
Em parte, as transformações e as rupturas que originaram patologias sociais resultam do esforço de negação da morte e da consciencialização de uma falsa omnipotência do homem.
Pelos açorianos aceitação da eutanásiaSegundo o livro “Da Morte à Eutanásia”, a abordagem da questão da morte clinicamente assistida aponta para o facto de a eutanásia ser “consensualmente considerada uma prática aceitável” entre a população açoriana.
O seu autor, o sociólogo Alberto Peixoto deixa desde logo claro que este é um assunto que suscita “apaixonados e empolgantes debates” e que levanta “inúmeras questões éticas”.
Porém, a análise estatística do presente estudo conclui-se que apenas 1% da população não tem uma opinião formulada quanto à aceitabilidade ou não da sua prática, enquanto 18% da população considera ser a eutanásia uma prática não aceitável, contra 81% que concordam com a sua prática, demonstrando existir sobre o assunto “um amplo consenso na comunidade”.
“Num futuro não muito longínquo, a prática da eutanásia, em conformidade com as expectativas sociais, poderá também ser tolerada juridicamente”, refere.
Homens mais tolerantesCom base na análise da publicação “Da Morte à Eutanásia” são os homens que mais concordam com a prática da eutanásia, 84 em cada cem, enquanto entre cada 100 mulheres 78 concordam.
As pessoas mais novas tendem a aceitar com mais facilidade a prática da eutanásia sendo registada entre os 26 e os 30 anos a mais elevada taxa de concordância, 96%. Todavia, entre os 15 e os 20 anos e entre os 21 e os 25 anos registam-se percentagens de concordância, igualmente, bastante elevadas, com 92% e 93%, respectivamente.
As pessoas divorciadas e as pessoas a viver em união de facto apresentam-se mais concordantes com a prática da eutanásia, sendo de destacar o facto de entre estes grupos populacionais não existir ninguém que discorde de tal ideia. As pessoas casadas são as que menos concordam com a prática da eutanásia apesar de 75% de tal população manifestar a concordância.
Tal como constatámos na frequência de pensamento na morte, aumenta a aceitação da prática da eutanásia à medida que aumenta o nível de habilitações literárias, sendo de salientar o facto de entre as pessoas com cursos superiores existirem as maiores reservas em responder à questão, saldando-se em 5% a percentagem de pessoas que não responde.
Católicos contra doutrinaSe por um lado o estudo aponta para uma maior facilidade por parte das populações sem prática religiosa em aceitar a eutanásia, o mesmo estudo refere que entre os católicos praticantes inquiridos 79% concordam com a prática da eutanásia “contrariando a postura da Igreja Católica quanto ao assunto”, refere o sociólogo.
A população residente na cidade indicia maiores preocupações com os rituais de passagem, visto que 49% de tal população afirma pretender definir previamente a sua vontade pós-morte, enquanto no campo 40% pretendem fazê-lo.
Noutro campo, segundo as estatísticas oficiais, os homens apresentam maior propensão para o suicídio do que as mulheres, porém em termos de propensão para encarar a hipótese do suicídio, homens e mulheres apresentam idêntica propensão, divergindo a frequência de pensamento, sendo os homens que pensam no suicídio com maior intensidade, podendo residir aqui uma das explicações para a passagem do pensamento ao acto, refere o estudo.
Açorianos pensam pouco na morteApenas 5% da população admite pensar na morte com muita frequência contra 47% que admite pensar algumas vezes, refere o estudo do sociólogo Alberto Peixoto: “não se pode afirmar que a morte seja uma grande preocupação da sociedade açoriana”, conclui.
Em termos de análise de géneros, as mulheres pensam na morte com mais frequência, ao passo que os homens “fazem um maior esforço de negação da morte evitando pensar nela”.
A faixa etária mais propensa a pensar na morte surge após os 46 anos de idade, concluindo-se que com o envelhecimento aumentam as preocupações com a morte.
Tendo em conta o estado civil, sobressai o facto de ser entre as pessoas viúvas que existem as maiores preocupações com a morte, atingindo 33% dessa população ao passo que entre as pessoas solteiras tal preocupação é observada em apenas 5% e em todos os demais estados civis os valores constatados são ainda mais baixos.
No meio rural, pensa-se mais na morte do que no meio urbano, sugerindo que a agitação da cidade, a par de todo o modelo de organização e vivência citadina, são suficientes para afastar o pensamento da morte.
As pessoas que não possuem qualquer habilitação literária são as que mais pensam na morte dado que entre elas 25% admitem-no, seguindo-se as pessoas com cursos superiores, com 8%. Aqui, a tendência de leitura dos dados aponta no sentido de diminuir a frequência de pensamento na morte à medida que aumentam as suas habilitações literárias.
A vivência de uma separação de familiar próximo ou a vivência de violência no seio da família apresentam-se como factores capazes de alterar as posturas dos indivíduos perante a morte, tornando-se “mais frios e menos sensíveis” às questões associadas à morte, refere o estudo.